sexta-feira, 30 de abril de 2010

Larry David funciona como o Woody Allen de "Tudo Pode Dar Certo"







Boris Yellnikoff (Larry David) é um velho rabugento que tem o hábito de insultar seus alunos de xadrez. Ex-professor da Universidade de Columbia, ele considera ser o único capaz de compreender a insignificância das aspirações humanas e o caos do universo. Um dia, prestes a entrar em seu apartamento, Boris é abordado por Melodie St. Ann Celestine (Evan Rachel Wood), que lhe implora para entrar. Ele atende ao pedido, a contragosto. Percebendo sua fragilidade, Boris permite que ela fique no apartamento por alguns dias. Ela se instala e, com o passar do tempo, não aparenta ter planos de deixar o local. Até que um dia lhe diz que está interessada nele.
Quem conhece o trabalho de Woody Allen sabe que o diretor costuma "se colocar" em seus personagens, usando-os de porta-vozes de seus sentimentos. Pois bem, em "Tudo Pode Dar Certo", é feita uma abordagem extremamente particular e ácida sobre o ser-humano e seus desejos. Na teoria, ninguém melhor do que Larry David, co-produtor da maravilhosa série Seinfeld, para interpretar o protagonista desta abordagem, restava apenas a comprovação na prática. E deu certo. David tem alguns problema quanto a naturalidade da interpretação, mas é nítida a sua afiação como o Woody Allen da vez. Ponto para o diretor.Outro acerto do longa é a quebra da quarta parede que ocorre em diversas situações, quando Boris resolve fazer um comentário com quem está assistindo sobre o que está acontecendo na cena. Arriscado, ainda mais com um ator limitado em alguns quesitos. Mas deu certo, Larry David soube se virar muito bem no diálogo com o público e estes momentos marcam o filme. Dois pontos.

Por último, vale ressaltar o ótimo time para comédia e química entre o protagonista e a mãe de Melody. Claro que o texto extremamente bem escrito por Allen é meio caminho andado, mas de nada adianta sem atores competentes o suficiente para interretá-los de uma maneira que garanta 100% do humor. Pena que esse bom entrosamento não é aproveitado em mais vezes durante o longa.

Com um texto refinado e de primeira categoria, Woody Allen acerta mais uma vez a mão em sua volta às comédias nova-iorquinas. Quem assistir, provavelmente sinta alguns tapas de luva dados pelo rabugento protagonista, mas ouvir umas verdades é bom de vez em quando. Assistir a um Woody Allen é bom sempre.

Ficha Técnica
Nome Original: Whatever Words
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Larry David, Evan Rachel Wood, Patricia Clarkson, Ed Begley, Conleth Hill, Michael McKean, Henry Cavill, Jessica Hecht, John Gallagher, Carolyn McCormick, Christopher Evan Welch

Nota: 9,2

quarta-feira, 21 de abril de 2010

"Mary & Max" não seleciona um público. Seleciona todos.



Mary é uma garotinha australiana amante da cor marrom, de leite condensado e de seu galo de estimação. Não entende muito os humanos por não ter muito contato com eles. Seus pais não lhe dão muita atenção, os amigos, bem, estes não existem. Até o dia em que ela resolve "sortear" um endereço de uma lista telefônica e mandar cartas para esta pessoa. Por destino - ou não -, quem mora no endereço é Max, um americano ex-judeu (agora ateu) de quarenta anos, obeso e que, apesar de ter abandonado o judaísmo, continua usando sua quipá. Assim como Mary, ele não tem contato com muitos humanos e estes o acham esquisito. Na ânsia de ter alguém para conversar, os dois passam a trocar cartas e presentes, nascendo, assim, uma amizade para a vida toda.
Quem nunca se sentiu sozinho por um dia? É sobre isso que o diretor Adam Elliot fala nessa animação em stop motion baseada em uma história real. A diferença é que os personagens se sentiam sozinhos a vida toda, até se conhecerem. O modo como é abordado o tema da solidão - e até mesmo do preconceito - é o mais interessante no filme, extremamente delicado, do texto até as cores. E, Nova York, lar de Max, tudo é P&B, simbolizando a tristeza e a falta de esperança do protagonista. Já na austrália, onde mora Mary, ainda há o marrom, mostrando que ainda há uma vida inteira pela frente. A partir do momento em que ela entra na vida dele, as cores começam a aparecer para Max. O pompom vermelho feito por sua amiga é o que lhe dá forças para continuar.
É bem verdade que o público-alvo da animação não é heterogêneo, mas não concordo com os críticos condenadores de Elliot por isso. Afirma-se que o diretor não soube escolher para quem estava fazendo o longa. Na verdade, "Mary & Max" é para todos os públicos, emociona qualquer pessoa de qualquer idade que já se sentiu só por um momento. E enganam-se aqueles que afirmam nunca terem se sentido só. A solidão faz parte da vida e é sobre ela que o filme trata. O publico-alvo de "Mary & Max" é toda aquela pessoa solitária no mundo. Mas isso não quer dizer que aqueles felizes com suas companhias não irão se sensibilizar com a história dos protagonistas. História esta que, de tão doce e fofa, nos faz rir.

Ficha Técnica
Direção: Adam Elliot
Roteiro: Adam Elliot
Elenco: Toni Collette, Philip Seymour Hoffman, Eric Bana, Barry Humphries

Nota: 9

sábado, 17 de abril de 2010

"Besouro" desafia o Cinema Brasileiro, mas esbarra em fracas atuações

Filme de estreia do diretor de pubicidade João Daniel Tikhomiroff (brasileiro mais premiado no Festival de Publicidade de Cannes, com 50 leões na conta), "Besouro" utiliza ação e drama para contar uma famosa lenda brasileira: A do capoeirista de corpo fechado que desafia os poderosos. Ele é Manoel Henrique Porteira, vivido até 1924. Consciente de sua condição de grande lutador, se preocupa em ajudar seu povo após a morte de Mestre Alípio, tutor de capoeira da região. No filme, passa de lenda para herói, enfrentando jagunços e o coronel local. Ao seu lado estão os Orixás, que lhe dão poderes - como voar e ter o "corpo fechado" - e a capoeira.
Ultimamente o cinema nacional tem se reservado apenas a alguns gêneros, como as comédias românticas, policiais e filmes que mostram a realidade das favelas. Faltava aquele filme de ação com cenas de luta de tirar o fôlego. Sabendo disto, João Daniel Tikhomiroff teve a audácia de tentar revolucionar a tão morna sétima arte no país tupiniquim. Para tal, chamou até o mesmo coreógrafo de filmes como "O Tigre e o Dragão" e "Kill Bill" conhecidos e reconhecidos por suas brlhantes sequências de pancadaria. Levando em consideração que este tipo de filmagem é nova por aqui, capoeiristas pendurados em cabos-de-aço são louváveis para um primeiro esforço. Temos muito o que melhorar, mas, para o início, serviu para mostrar que estamos no caminho certo.
Por tudo o que foi mostrado antes do lançamento, esperava-se muito mais do filme. Site legal, fotos realmente muito boas e um trailer com maravilhosas cenas de ação. Não é o que foi visto, fazendo de "Besouro" uma vítima de sua própria propaganda (ironia ter sido dirigido por um publicitário megacampeão). Para um filme de estreia no gênero das pancadarias fantasiosas, o filme é ótimo, mas todo o alarde feito entorno do longa acaba criando uma expectativa não correspondida. O que, infelizmente, conta muito como ponto negativo.
O que realmente estraga o primeiro trabalho de Tikhomiroff são as péssimas atuações. Por ser muito centrado na capoeira, o diretor resolveu transformar capoeiristas em atores e não vice-versa. Acertou, pois o tempo era curto para transformar um novato no melhor de todos os tempos nessa dança. E atuações também não é todo mundo que nota. Exceto pelo protagonista Aílton Carmo, que deve dedicar-se mesmo ao que tem de melhor: A ginga na capoeira. Já aqueles sem malemolência salvam aqueles que são sofríveis atuando e ótimos dançando; Irandhir Santos está ótimo como o nojento Noca de Antônia e Flavio Rocha convence como o cínico Coronel Venâncio. Cada um com seu talento e o cinema e a capoeira seguem seus rumos no Brasil.

Besouro traz grandes qualidade plásticas, como uma exuberante fotografia que conpensam atuações inevitavelmente sofríveis. Para um primeiro suspiro no gênero das pancadarias fantasiosas, o Brasil mostra que tem futuro. Ainda há um longo caminho a ser percorrido pelo nosso cinema para chegarmos perto dos orientais e estadunidenses, mas a gente pode chegar lá. Besouro é apenas um pontapé inicial. E um pé direito.

Ficha Técnica
Direção: João Daniel Tikhomiroff
Roteiro: Patrícia Andrade, João Daniel Tikhomiroff
Produção: Vicente Amorim, Fernando Souza Dias, João Daniel Tikhomiroff
Distribuidora: Buena Vista
Fotografia: Enrique Chediak
Elenco: Aílton Carmo, Anderson Santos de Jesus, Jessica Barbosa, Flavio Rocha, Irandhir Santos, Macalé, Leno Sacramento, Chris Vianna, Sérgio Laurentino, Adriana Alves, Miguel Lunardi


Nota: 7,3

domingo, 4 de abril de 2010

Peter Jackson mistura suspense com Teletubbies em "Um Olhar do Paraíso"



Aos 14 anos, Susie Salmon (Saoirse Ronan) foi estuprada e assassinada, mas, aparentemente, não morreu por completo. De onde está - não é paraíso, inferno ou purgatório- ela pode observar sua família e torcer para que seu assassino (Stanley Tucci) seja preso. Mas "Um Olhar do Paraíso" não se trata de um longa sobrenatural.Quando o mundo cinematográfico soube que Steven Spielberg e Peter Jackson se juntariam para um novo filme, logo criou-se uma imensa expectativa sobre o resultado. Infelizmente, esses dois grandes nomes não surtiram efeito positivo trabalhando em conjunto nesta produção baseada no livro de Alice Sebold. Vamos aos porquês.
Jackson (da trilogia "Senhor dos Anéis") abusou dos efeitos, do azul e do amarelo. Sobre as cores, eu, como bom Xavante, não deveria aprovar o azul e amarelo demasiados. Mas a dualidade (presente não somente na fotografia) foi muito bem feita com dois tons complementares. O problema vem na falta de controle de Jackson quanto a dualidade da história. Logo após ser estuprada e esquartejada, a menina - de 14 anos - aparece dançando animada. Esse pecado infelizmente mancha o bom, intrigante e emocionante roteiro que por várias vezes se apresenta deveras confuso por conta desta má condução de Peter Jackson.Outro ponto em que o diretor peca é naquele em que já se mostrou mestre na trilogia "O Senhor dos Anéis": Os efeitos visuais. Em "Um Olhar do Paraíso" eles são extremamente malproduzidos e não acrescentam em nada à narrativa. Por exemplo, um dos primeiros, em que a protagonista vê seu amor refletido no mar, é inevitável a comparação com o sol em forma de rosto de bebê do antigo programa infantil "Teletubbies" ou com aquelas montagens feitas no Photoshop em que uma pessoa se põe em um prédio de Nova York.
Restam poucos pontos positivos ao longa. Um deles é o bom jogo de câmeras. Nas cenas exclusivas do vilão, a filmagem parece ser amadora, dando mais suspense. Nas cenas do paraíso, a câmera está sempre em movimento lateral , tentando convencer aquilo que uma voz diz à menina morta "É claro que tudo aqui é lindo, é o paraíso". O outro acerto está no caprichado elenco, que conta, entre outros, com a ótima e promissora Saoirse Ronan (indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por "Desejo e Reparação") no papel principal, Mark Wahlberg como o pai da menina e Stanley Tucci, indicado pela academia por este trabalho. Tucci está impecável. É um daqueles vilões que nos fazem subir pelas paredes de raiva, mostrando que é bom também na flexibilidade. Já fez comédia babaca, dramas e agora convence, assim como em todos os seus outros trabalhos, neste quase-sofrível suspense.
"Um Olhar do Paraíso" não chega a ser ruim por causa de suas atuações primorosas e uma intrigante narrativa, mas também passa longe dos bons trabalhos de seu diretor, Peter Jackson, como "Alma Gêmea" e a trilogia "Senhor dos Anéis. Sou um grande fã, espero realmente que ele tenha simplesmente "errado a mão" e não perdido ela por aí. É uma mão valiosa.

Ficha Técnica
Nome Original: The Lovely Bones
Distribuidora: DreamWorks SKG / Paramount Pictures
Direção: Peter Jackson
Produção: Carolynne Cunningham, Peter Jackson, Aimée Peyronnet, Fran Walsh, Steven Spielberg
Roteiro: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson, Alice Sebold (livro)
Fotografia: Andrew Lesnie
Elenco: Saoirse Ronan, Mark Wahlberg, Stanley Tucci, Rachel Weisz, Susan Sarandon, Rose McIver, Reece Ritchie, Michael Imperioli

Nota: 6,7