terça-feira, 10 de agosto de 2010

"A Origem" traz de volta a preocupação com o roteiro cinematográfico



Atenção: Esse texto contém spoilers indispensáveis para
uma boa crítica do filme. Se você ainda não viu “A Origem”, corra pro cinema, assista e volte aqui.


Dom Cobb é um experiente ladrão, capaz de penetrar no íntimo e infinito universo dos sonhos e, assim, roubar valiosos segredos dos subconscientes das pessoas enquanto elas estão dormindo. A rara habilidade de Cobb o tornou um invejável jogador neste universo de espionagem, ao mesmo tempo em que o transformou em um fugitivo internacional e lhe custou tudo o que ama.

Não é tão complicado assim. Foi o que eu pensei no momento em que o letreiro desceu e as luzes do cinema se acenderam. “A Origem” é, claramente, um filme extremamente seletivo. Não é todo mundo que vai entender e não é pra todo mundo entender mesmo. E isso não é errado e nem “blasé”; Christopher Nolan simplesmente fez um favor à sétima arte ao criar um filme ficcional inteligente e repleto de adrenalina até – realmente – o último segundo de filme. No gênero do drama e da comédia, o século XXI está bem servido de inteligência com longas como “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”, mas o suspense estava carente até as estréias de “Ilha do Medo” e “A Origem”.
Além de seletivo, o filme é extremamente autoral. Bebendo explicitamente de pelo menos uns quatro filmes (como “Matrix” e “Sinédoque Nova Iorque”), Nolan parece ter aberto mão de uma classificação de “cinco estrelas” nas críticas para receber o adjetivo “gênio”, pois, ao complicar – um pouco – a trama, o diretor mostrou ter um pulso firme, característica não encontrada facilmente na época do roteiro comprado e enlatado.
Talvez a única falha do filme, além de ser complicado demais, segundo alguns, é o fato de Arthur, personagem de Gordon-Levitt não ter acordado durante a queda da van. Afinal, ele estava em outro sonho.


Outro acerto é a sensibilidade injetada na história. O drama vivido pelo protagonista com sua falecida mulher passa de raspão pelo piegas, mas é mais um ponto indispensável para o bom funcionamento da trama. A grande responsável para que isso tudo não caísse no óbvio é Marion Cotillard, que, em minha opinião, disputará mais um Oscar. A atriz convence como vilã até o momento em que é revelado o plano falho de Cobb (DiCaprio) para inserir na mente da esposa que a sua vida não passava de um sonho. Além disso, o diretor Christopher Nolan soube lidar muito bem com duas histórias paralelas dentro do mesmo filme, deixando o espectador intrigado para saber o que acontecerá em ambas.


Nolan também acerta na forma como responde as perguntas dos espectadores mais curiosos. Pode parecer trivial, mas colocar os personagens de um sonho em um lugar frio e cheio de neve e Arthur, responsável por outro sonho, em um hotel, é uma cartada de mestre extremamente bem executada e imprescindível para que o filme, inutilmente, não se torne mais confuso do que já parece ser. Seguindo a mesma linha de na composição da cena tirar possíveis dúvidas, mais adiante, na cena do avião, todos entram no sonho de Yusuf (químico responsável pelos sedativos). Isso se torna óbvio quando, já no sonho, uma imensa chuva começa a cair, devido a bexiga do especialista em sedação e, também, por, mais adiante, ele ser quem dirige a van, para manter o controle sobre sua própria história. Além destes exemplos de explicações baseadas na composição de cenas, também temos outra no início do filme quando Cobb explica para Saito os conceitos dos invasores de sonhos. Na verdade, o protagonista está falando com os espectadores para que, mais adiante, quando a equipe de Cobb seda Fischer no avião, não se criem dúvidas sobre sonhos dentro de sonhos e quem é responsável por cada. Toda essa necessidade de explicações é cabível de críticas a Nolan, que pode ter perdido o controle do filme e ter precisado de tudo isso. Talvez. Prefiro acreditar que Nolan quis dar uma chance para aqueles que porventura vão ao cinema apenas em busca de adrenalina e não para ver um filme inteligente.


Sobre o personagem vivido por Ellen Page, além da função extremamente necessária para que a idéia seja implantada na cabeça de Fischer, também o é para o bom entendimento da trama. Ariadne desempenha, mais do que o papel de arquiteta do sonho, o de ponte entre o espectador e o filme, sendo, assim, indispensável para este.
Já Joseph Gordon-Levitt (o inesquecível Tom Hansen de “(500) dias com ela”) é mais do que um ator coadjuvante. É um destaque de “Inception” por aliar o carisma, que já lhe é peculiar, com a frieza necessária para convencer como o braço direito do protagonista vivido por Leo DiCaprio.


Em suma, realmente “A Origem” não é um filme para qualquer pessoa ver. Exatamente por isso, não é um longa qualquer. Desde “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, que reinventou o cinema das adaptações de quadrinhos, sabe-se que a mente de Christopher Nolan é diferenciada das demais tão padronizadas na época do cinema feito para arrecadar. Com um elenco competente, um diretor inteligente e criativo, efeitos visuais MUITO acima da média, como por exemplo as cenas de luta de Joseph Gordon-Levitt no hotel desafiando a gravidade, um roteiro que à primeira vista parece confuso, mas, com uma leitura mais afundo, se mostra fácil e abordando um assunto que todo mundo já pensou um dia e um público que vá para o cinema para ver um filme em todos os sentido desta frase, “A Origem” se torna um filme muito especial para o futuro da sétima arte, podendo ser chamado de “O novo ‘Bastardos Inglórios’” por sua inovação cinematográfica. Em tempos de "Avatar", onde se pensa muito mais nos avanços gráficos, "Inception" cuida meticulosamente do roteiro.

Parabéns, SIR Christopher Nolan


A Origem

Ficha Técnica
Nome Original: Inception
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Leonardo DiCaprio, Ellen Page, Joseph Gordon-Levitt, Marion Cotillard, Ken Watanabe, Tom Hardy, Cillian Murphy, Tom Berenger, Dileep Rao, Michael Caine, Lukas Haas, Pete Postlethwaite



Nota: 9,9

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

"Meu Malvado Favorito" é uma bela kibada da Pixar




Num tranquilo e feliz bairro de subúrbio, onde as casas têm cercas com arranjos de flores, há uma única casa sombria e cujo jardim está morto. Os vizinhos não têm conhecimento disso, mas ali se encontra o esconderijo secreto de um vilão assustador chamado Gru, que planeja o maior golpe do mundo: ele vai roubar a Lua. Gru acredita que pode vencer qualquer um que cruzar o seu caminho. Isso até o dia em que conhece as garotinhas órfãs Margo, Edith e Agnes. Elas são as únicas que conseguem ver naquele homem o que ninguém jamais viu: um pai em potencial.


Filha de Chris Meledandri, ex-presidente da 20th Century Fox Animation, a Illumination Entertainment se mostra um pouco cara-de-pau neste seu primeiro trabalho. É bem verdade que, em uma estréia, é sempre tarefa complicada ser criativo e não beber na fonte de ninguém, mas a nova produtora de animações se mostrou com muita sede em “Meu Malvado Favorito”. A história de buscar a lua, o carisma de crianças, o personagem malvado que se torna bonzinho, mas é traído e precisa se retificar, tudo isso a Pixar já fez. E fez muito bem, por isso está no topo há muito tempo. E tudo isso está presente em “Meu Malvado Favorito”. Eu não diria que isso mostra certa incompetência da Illumination, como andam dizendo por aí. Acredito que houve certo conservadorismo da produtora, optando pelo que já é fato que dá certo no ramo das animações ao invés de arriscar em algo novo. Vocês fariam diferente em um mercado que está mais para campo de batalha entre a Pixar e a DreamWorks?
Independente se a história e toda a sua composição não são criativas, o fato é que funcionam. O olhar da menina mais nova, os bichinhos amarelos, tudo se mostra carismático por um simples motivo: É uma receita bem executada. O roteiro é redondinho e certamente irá agradar tanto crianças quanto pais e jovens que, por ventura, estejam de férias e resolvam gastar um tempo no cinema.


É difícil falar dos aspectos técnicos de um filme 3-D quando se mora em Pelotas, mas, como já aconteceu outras vezes, fiz o bom uso de meus informantes. Fui avisado que o 3-D usa bem a questão da profundidade e que a cena da montanha russa coloca o espectador no meio da ação sem precisar jogar coisas na cara. Sobre a cena pós-créditos, onde bichinhos amarelos chamados Mions voltam para brincar com a terceira dimensão, confesso que fiquei irritado com o fato de o cinema da minha cidade não ter essa tecnologia e saí antes do letreiro. Sobre a dublagem brazuca em cabeçada por Leandro Hassun, confesso que não gostei. Não sei se foi problema no som do Cineart, mas em certas cenas não consegui decifrar o que ele falava, devido a uma personificação exagerada da voz.


“Meu Malvado Favorito” é um filme de estréia e, como tal, tem que beber da fonte de outros. A Pixar é uma referência não só de animações como para o Cinema em geral. Não é nenhum crime copiar algo que é genial. Vamos lá Illumination, a gente confia em vocês. Bom começo.

Meu Malvado Favorito

Ficha técnica
Nome Original: Despicable Me
Direção: Pierre Coffin, Chris Renaud
Roteiro: Ken Daurio, Cinco Paul
Elenco: Steve Carell, Jason Segel, Russell Brand, Kristen Wiig, Julie Andrews, Will Arnett, Danny McBride, Jemaine Clement, Miranda Cosgrove, Jack McBrayer, Mindy Kaling, Ken Jeong



Nota: 7,6